Entrevista com a Profa. Dra. Carolina Sales Vieira, pesquisadora do INCT Hormona no Centro da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.

Publicado em 13/08/2019

A entrevistada é autora do artigo “Timing of postpartum etonogestrel-releasing implant insertion and bleeding patterns, weight change, 12-month continuation and satisfaction rates: a randomized controlled trial”, recentemente publicado na revista Contraception e fala sobre as evidências produzidas neste estudo, além de outras informações de interesse para a saúde pública brasileira, as quais têm sido constituídas ao longo da última década pelo INCT Hormona. Boa leitura:

Recente estudo, que testou a satisfação de puérperas com uso do implante contraceptivo que é colocado braço (debaixo da pele), indica que não há prejuízo à saúde da mulher com a aplicação do método imediatamente após o parto. Quais são as preocupações das mulheres e quais são as evidências encontradas para dar resposta aos questionamentos?

Carolina Sales: Quando vamos começar um anticoncepcional que contém hormônio logo após o parto, antes da alta hospitalar, as mulheres se preocupam com três coisas:

O primeiro ponto é sobre amamentação. As pacientes querem saber se o hormônio liberado pelo implante exerce algum efeito sobre a capacidade de amamentar e se vai alterar a quantidade de leite. Esta preocupação nós avaliamos através de dois estudos (2015 e 2017) que foram pioneiros no mundo. O primeiro estudo (2015) mostrou que a quantidade de leite produzida pela mulher não reduz quando o implante foi inserido até 48 horas depois do parto. O segundo estudo (2017) mostrou que a taxa de amamentação exclusiva não muda nos seis primeiros meses quando comparamos mulheres que inseriram o implante nas primeiras 48 horas do pós-parto com aquelas que inseriram no período tradicional de seis semanas após o parto. Assim, o momento da inserção do implante não altera a quantidade de leite produzida pela mulher que está amamentando.

A segunda questão é sobre o efeito do hormônio liberado pelo implante sobre o bebê, ou seja, as pacientes querem saber se o hormônio liberado pelo implante prejudica o crescimento da criança. No estudo de 2017, nós seguimos 100 bebês por um ano, metade eram de mulheres que inseriram o implante nas primeiras 48 horas do parto e metade eram de mulheres que inseriram o implante no período tradicional de seis semanas após o parto. Acompanhamos o peso, a altura, a circunferência craniana e a circunferência do braço de todos estes bebês. Não houve nenhuma diferença entre os dois grupos. Desta forma, podemos afirmar que o momento da inserção do implante não prejudica o crescimento de bebês amamentados por mulheres que inseriram o implante.

O terceiro questionamento se refere ao efeito do hormônio liberado pelo implante sobre a saúde da própria mulher, ou seja, as pacientes desejam saber se iniciar o implante logo após o parto pode prejudica-las. Nos estudos de 2012 e de 2019 respondemos estas perguntas. O maior medo de usar um hormônio nas primeiras seis semanas após o parto é aumentar o risco de trombose venosa (ou seja, a obstrução de uma veia por um coágulo). O implante contém apenas um hormônio, um progestagênio chamado etonogestrel, e não aumenta o risco de trombose venosa nos estudos fora do período do parto. No estudo de 2015, mostramos que o implante não faz o sangue coagular mais comparado com a ausência de hormônio. No estudo de 2019, mostramos que inserir o implante nas primeiras 48 horas não mudou a perda de peso e teve um padrão de sangramento no primeiro ano após o parto comparado com o que é esperado quando o implante é inserido no período tradicional de seis semanas após o parto. Desta forma, mostramos que o implante não afeta a saúde da mulher se inserido logo após o parto.

Diante destes indicativos, o uso do implante poderia se constituir em uma alternativa para o planejamento familiar? Quais as vantagens e desvantagens deste método?

Carolina Sales: A Organização Mundial de Saúde já considera o implante uma opção para o planejamento familiar da mulher após o parto, desde sua criação (em 2002), reconhecendo desde 2015 que a inserção do implante é segura para mulher e seu bebê nas primeiras 48 horas do parto, antes da alta hospitalar. Nossos estudos foram essenciais para a liberação deste método para uso antes das quatro semanas após o parto.

As vantagens deste método são a longa duração, pois ele protege a mulher por pelo menos três anos; a alta eficácia, pois a taxa de falha em um ano é de cinco falhas em cada 10 mil usuárias (10 vezes mais eficaz que a laqueadura tubária); não aumenta a chance de trombose venosa (pois não tem estrogênio em sua composição); pode ser usado para a maioria das doenças (pois não afeta a pressão arterial, a diabetes, entre outras); reduz cólicas menstruais; pode melhorar a tensão pré-menstrual.

Como desvantagens, é importante ressaltar que este anticoncepcional não apresenta efeitos colaterais graves, como os anticoncepcionais que contém estrogênio. Algumas mulheres experimentam um sangramento irregular nos primeiros meses de uso, o que pode incomodar caso a paciente não tenha sido bem orientada, mas não causa mal a sua saúde. Vale a pena mencionar que 80% das mulheres ficam satisfeitas com o padrão de sangramento que apresentam. Outro efeito colateral que pode incomodar, mas existe tratamento, é a acne (espinha) em uma mulher em cada dez usuárias do implante.

A senhora vê esta prática como uma potencial política pública para o Brasil? O que ela representaria, em termos de segurança e efetividade, na comparação com os métodos mais utilizados atualmente?

Carolina Sales: Esta prática é recomendada como política pública para reduzir os curtos intervalos entre as gestações. Curtos intervalos entre as gestações (menos de 18 meses entre um parto e um novo teste de gravidez positivo) aumentam a chance de desfechos ruins para as mulheres e seus filhos (Figura abaixo). Muitas vezes, aproveitar a parto para iniciar um método anticoncepcional é conveniente para a mulher. Isto porque até 40% das mulheres não comparecem a consulta de 40 dias após o parto, deixando de receber a prescrição de um anticoncepcional e ficando em risco de uma gestação não planejada. Segundo dados americanos, para cada 1 mil mulheres que iniciam o uso do implante imediatamente após o parto, são economizados mais de R$ 4 milhões de reais em três anos e evitadas 191 gravidezes em relação a deixar para inserir o implante após seis semanas (esta diferença é porque algumas mulheres não comparecem para esta consulta e acabam ficando grávidas sem planejamento).

Atualmente usamos mais métodos de curta ação, como a pílula anticoncepcional e as injeções. Estes métodos dependem da mulher lembrar de tomá-los para manterem sua efetividade. Já o implante e os dispositivos intrauterinos (DIUs) são considerados métodos de longa ação e não dependem de lembrança da mulher para serem efetivos. Por isso, estudos mostram que a pílula apresenta 21 vezes mais chances de falhar que os implantes e os DIUs.

Com relação aos custos demandados para uma eventual incorporação ao SUS, há dados que apontem para a custo-efetividade do uso de contraceptivo subcutâneo? Outros estudos são necessários?

Carolina Sales: No SUS, só há um contraceptivo reversível de longa ação disponível, o DIU de cobre, que poderia ser mais utilizado que atualmente (menos de 2% das mulheres usam DIU de cobre). No entanto, a inclusão de outros métodos de longa ação, como o implante, é considerada custo-efetiva em todas as avaliações já realizadas em estudos de outros países. Isto porque o preço de uma gestação não planejada no Brasil até o parto é de R$ 2,3 mil (Preço de 2014), muito maior que o preço de qualquer método anticoncepcional. Em que se pese que 55% das gestações brasileiras não são planejadas, a inclusão deste método no SUS poderia contribuir para redução destas situações, bem como de outros agravos à saúde feminina como abortos provocados e mortalidade materna. Um estudo mostrou que a inclusão de métodos de longa ação, como o implante e DIUs, reduziu em 50% os abortos provocados e as gestações de adolescentes. Resta aguardar que nosso país comece a investir de forma mais baseada em evidência na prevenção de gestações não planejadas.

Que recomendações a senhora daria às pacientes que desejam conhecer esta alternativa?

Carolina Sales: As mulheres devem procurar o serviço de saúde e perguntar sobre o método para os profissionais de saúde. Além disso, uma pesquisa em sites confiáveis da internet também é importante. Há algumas cidades que disponibilizam este método para grupos especiais de pacientes, como adolescentes, mas em geral, ele não está disponível pelo SUS.

Leituras recomendadas pela autora:

1)  2019 Timing of postpartum etonogestrel-releasing implant insertion and bleeding patterns, eight change, 12-month continuation and satisfaction rates: a randomized controlled trial;

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Timing+of+postpartum+etonogestrel-releasing+implant+insertion+and+bleeding+patterns%2C+weight+change%2C+12-month+continuation+and+satisfaction+rates%3A+a+randomized+controlled+trial

2) 2017 Timing of etonogestrel-releasing Implants and growth of breastfed infants: a randomized controlled trial;

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Timing+of+Etonogestrel-Releasing+Implants+and+Growth+of+Breastfed+Infants

3) 2015 Immediate postpartum initiation of etonogestrel-releasing implant: A randomized controlled trial on breastfeeding impact;

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Immediate+postpartum+initiation+of+etonogestrel-releasing+implant%3A+A++randomized+controlled+trial+on+breastfeeding+impact

4) 2012 Effects of the etonogestrel-releasing contraceptive implant inserted immediately postpartum on maternal hemostasis: a randomized controlled trial;

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Effects+of+the+etonogestrel-releasing+contraceptive+implant+inserted+immediately+postpartum+on+maternal+hemostasis%3A+A+randomized+controlled+trial

5) 2009 Safety of the etonogestrel-releasing implant during the immediate postpartum period: a pilot study.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Safety+of+the+etonogestrel-releasing+implant+during+the+immediate+postpartum+period%3A+a+pilot+study